O mundo da coquetelaria começa parecer com um circo, ou
seja, mais difícil e surpreendente a cada dia.
Ultimamente pedir um Gin Tônica clássico, uma
verdadeira missão impossível, podemos encontrar uma salada em copo, a horta
inteira dentro do Gin Tônica. Não ao lado do copo de balão, num bowl acompanhando
a bebida, mas dentro do mesmo copo. Sobrou algo por ser inventado?
Isto pode ser um modismo, mas não é um Gin Tônica, é um mix
da horta, uma pretensão e vontade de judiar do sofrido cliente especialista em
Gin Tônica.
Beber um Gin Tônica atualmente nos obriga a ir
retirando o casaco de laranja, a do limão, o alecrim, os aros de cebola roxa, as
sementes que flutuam, as frutas vermelhas, o pedaço de abóbora, o tomate, o pimentão
verde, o pimentão vermelho, o ovo cozido e tudo o que se possa imaginar
pelo barman do turno.
O barroquismo dos coquetéis, parece o equivalente a uma
falha valenciana desenhada por uma Rainha do Carnaval de Tenerife, posta até o
pescoço de LSD. O de jerez aromático, por exemplo, se serve num copo em forma
de pipa com chocolate nas bordas e uma nuvem de algodão de açúcar arrematada com
uma cereja espetada num palito em forma de uma espada de toureiro. Quem sabe a elegância
seja um conceito discutido e discutível, mas… tanto?
Sobrou algo por ser inventado?
Não posso deixar de ver como um insulto. Trinta séculos
depois dos fenícios trazerem a vid a Gadir (a atual Cádiz) e alterado por centenas
de apreciadores de vinhos que dedicaram suas vidas à fabricação e aperfeiçoamento
de seus vinhos, um barman decidiu em Barcelona de 2016, quem
sabe baseado numa reflexão de quase cinco minutos, que faltava algo ao jerez. Um
status masculino "ma non troppo" que
o torne tolerável para os paladares da modernidade líquida. Algodão de açúcar,
por exemplo. Por quê não um tanque Merkava rosa ou Khal Drogo vestido de cigana?
Estou certo que servir esse coquetel ao enólogo de uma bodega de jerez garante que
você acabe enterrado vivo como abono de um vinhedo de uva palomino.
O coquetel de que falo é só um exemplo ao azar. Mas um
especialmente representativo. Representativo dessa sede de novidades que só pode
ser saciada sorrindo o sorriso do já sorrido mil vezes. Poucas coisas são mais
velhas que o aborrecimento adolescente e mais aborrecidos que os velhos truques
para disfarça-lo.
Sei o que você está pensando. Sem essa sede de novidades,
os humanos ainda andariam brigando com os ossos pela pedra mais cômoda da gruta.
E é mais… Por acaso os coquetéis não têm duzentos anos de história? Efetivamente.
Aí estão. A coquetelaria é uma arte velha. E quem sabe essa velha arte já não
deu todas as obras primas que devia dar ao mundo? O Manhattan, que é a Capela
Sistina dos coquetéis. O Dry Martini. O Old Fashioned. E se a evolução no
terreno da gastronomia não fora um gigantesco salto adiante que nos poupa um ou
dois séculos de ensaios e erros senão um lento processo, fruto de minúsculas mudanças
forjados pela tensão entre o aborrecimento e a ânsia de estabilidade?
Publicado em 25/07/2016 por http://www.alacartaparados.es
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