"A saúde de todo o corpo se forma na oficina do estômago”, disse Don Quixote a Sancho Pança. Ainda que Cervantes não soubesse nada
dos micro-organismos que povoam nosso sistema digestivo, não andava
desvairado ao colocar essas palavras na boca do fidalgo. A saúde tem muito a ver com o que comemos e também com o que acontece com esses alimentos em nosso intestino, onde bilhões de micróbios nos
ajudam a aproveitar os nutrientes.
Por esse caminho vai o estudo realizado em Biomed Aragón sobre o alimento mas básico, o pão, que tem apresentado reveladores resultados: o pão que se comia há alguns séculos era mais saudável que o que popularizou a
industrialização da padaria, porque este último altera negativamente
nosso microbioma (o conjunto de micro-organismos que vivem no corpo
humano e nos beneficiam). E “o microbioma é a grande alfândega de nossa saúde”, adverte o pesquisador Pedro Marijuán, coordenador do estudo sobre o pão.
Marijuán explica que, para permitir o maior desenvolvimento do cérebro, o ser humano teve que reduzir há milhares de anos o volume de seu
aparelho digestivo, mas sem renunciar a gerar as grandes quantidades de
energia que consome a atividade cerebral. Como conseguiu? Por duas vias: fazendo “exodigestões” (processando os alimentos antes de ingeri-los) e tolerando
que determinados micróbios povoem seu intestino e ajudem na digestão.
Dentro do processado se inclui “o que chamamos cozinhar” –precisa– e também outras técnicas, em particular uma muito estendida: a fermentação, que é o resultado da atuação de alguns micróbios sobre os alimentos.
Dentro do processado se inclui “o que chamamos cozinhar” –precisa– e também outras técnicas, em particular uma muito estendida: a fermentação, que é o resultado da atuação de alguns micróbios sobre os alimentos.
Graças à fermentação produzida por umas leveduras chamadas ‘Saccharomyces’ teremos o pão, mas também a cerveja e o vinho. Durante a fermentação, os micro-organismos mudam a composição da matéria prima e as tornam mais digestíveis para o ser humano (e mais saborosa). Para panificar, até aproximadamente em torno de um século se usava a fermentação espontânea produzida
pelas ‘Saccharomyces’ do ambiente ao misturar farinha e água. Era um processo
lento, de dias, no que outras bactérias também intervinham, gerando a
massa mãe a partir da que se fazia o pão.
Mas, ao chegar a industrialização e a necessidade de
abastecer de pão a uma crescente população concentrada nas cidades, o objetivo prioritário foi acelerar o processo de fabricação e obter
variedades de trigo de maior rendimento. “Então, o trigo de panificação tem uma proporção de glúten mais alta e isso, com o uso dos aditivos como
aceleradores da fermentação, tem nos colocado num berinjela”, disse Marijuán.
As experiências feitas com cobaias é possível ver que o pão de trigo industrializado “gera um microbioma inflamatório”, enquanto que o de fermentação clássica e com farinhas de cereais diferentes não só não o produz, como o reduz. “O fenomenal é que ao final de 21 dias o microbioma é notadamente diferente em relação ao standar. E as traços inflamatórios no sangue se eliminam bastante”, disse (detectaram mediante as citocinas, que são “sinais intercelulares específicas da
inflamação”). Marijuán assinala que o microbioma humano “é um ecossistema
frágil” e que “por si só o pão não é nada, mas num contexto de
problemas de saúde, com um microbioma sempre ao fio da navalha, se utiliza substâncias inflamatórias…”
Ressalta ainda que o intestino é “o cérebro imune”,
porque aí está “a maior população de linfócitos” (as células defensoras do organismo) e quando detecta algo estranho, o sistema imunológico reage,
como ocorre –por exemplo– com as alergias alimentícias.
Nesse estudo, que terá de ser completado com uma
experimentação em humanos, participou Antonio Rezusta, chefe de seção de
Microbiologia do Hospital Miguel Servet; Rosa del Campo, pesquisadora do Hospital Ramón e Cajal de Madrid; Julián Pardo, pesquisador da Universidade de Zaragoza e o Instituto Aragonés de Ciências da Saúde; e Jorge Pastor,
presidente na Espanha do Club Richemont (que formam cerca de 90 empresas de
panificação) e diretor de I+D+i de Panishop.
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