quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Sobrou algo por ser inventado?

O mundo da coquetelaria começa parecer com um circo, ou seja, mais difícil e surpreendente a cada dia.
Ultimamente pedir um Gin Tônica clássico, uma verdadeira missão impossível, podemos encontrar uma salada em copo, a horta inteira dentro do Gin Tônica. Não ao lado do copo de balão, num bowl acompanhando a bebida, mas dentro do mesmo copo. Sobrou algo por ser inventado?

Isto pode ser um modismo, mas não é um Gin Tônica, é um mix da horta, uma pretensão e vontade de judiar do sofrido cliente especialista em Gin Tônica.
Beber um Gin Tônica atualmente nos obriga a ir retirando o casaco de laranja, a do limão, o alecrim, os aros de cebola roxa, as sementes que flutuam, as frutas vermelhas, o pedaço de abóbora, o tomate, o pimentão verde, o pimentão vermelho, o ovo cozido e tudo o que se possa imaginar pelo barman do turno.

O barroquismo dos coquetéis, parece o equivalente a uma falha valenciana desenhada por uma Rainha do Carnaval de Tenerife, posta até o pescoço de LSD. O de jerez aromático, por exemplo, se serve num copo em forma de pipa com chocolate nas bordas e uma nuvem de algodão de açúcar arrematada com uma cereja espetada num palito em forma de uma espada de toureiro. Quem sabe a elegância seja um conceito discutido e discutível, mas… tanto?
Sobrou algo por ser inventado?

Não posso deixar de ver como um insulto. Trinta séculos depois dos fenícios trazerem a vid a Gadir (a atual Cádiz) e alterado por centenas de apreciadores de vinhos que dedicaram suas vidas à fabricação e aperfeiçoamento de seus vinhos, um barman decidiu em Barcelona de 2016, quem sabe baseado numa reflexão de quase cinco minutos, que faltava algo ao jerez. Um status masculino "ma non troppo" que o torne tolerável para os paladares da modernidade líquida. Algodão de açúcar, por exemplo. Por quê não um tanque Merkava rosa ou Khal Drogo vestido de cigana? Estou certo que servir esse coquetel ao enólogo de uma bodega de jerez garante que você acabe enterrado vivo como abono de um vinhedo de uva palomino.

O coquetel de que falo é só um exemplo ao azar. Mas um especialmente representativo. Representativo dessa sede de novidades que só pode ser saciada sorrindo o sorriso do já sorrido mil vezes. Poucas coisas são mais velhas que o aborrecimento adolescente e mais aborrecidos que os velhos truques para disfarça-lo.

Sei o que você está pensando. Sem essa sede de novidades, os humanos ainda andariam brigando com os ossos pela pedra mais cômoda da gruta. E é mais… Por acaso os coquetéis não têm duzentos anos de história? Efetivamente. Aí estão. A coquetelaria é uma arte velha. E quem sabe essa velha arte já não deu todas as obras primas que devia dar ao mundo? O Manhattan, que é a Capela Sistina dos coquetéis. O Dry Martini. O Old Fashioned. E se a evolução no terreno da gastronomia não fora um gigantesco salto adiante que nos poupa um ou dois séculos de ensaios e erros senão um lento processo, fruto de minúsculas mudanças forjados pela tensão entre o aborrecimento e a ânsia de estabilidade?


Publicado em 25/07/2016 por http://www.alacartaparados.es

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